“Com
o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito
aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é
realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como
uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro
dele todo o mal ferventa. O ciúme é então a espécie mais introvertida
das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa de sua feiura.
Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos, e como exemplo
cito a minha pobre avó, que conhecia seu ciúme como reumatismo.”
BUARQUE, Chico. Leite Derramado. São Paulo. Cia das Letras, 2009.
Releitura
O meu ciúme não advém do reumatismo, nem do lirismo, nem do paraquedismo com que as mentes se abrem para o bom funcionamento. O meu, tem uma linha tênue que o separa da dor, que o encoraja no dia seguinte, fazendo-o esquecer ou doer.
O ciúme que corta em mim é de navalha fina, ao vê-lo ir e voltar, pairando sobre lugar nenhum.
Ter ciúme é ter bobagem.
Ciúme é pura sacanagem do sujeito enciumado.
Ontem, à noitinha, tive ciúme da sua barba, roçando o meu calcanhar. Mas quando seus beijos me cobriram a tez,
refiz o pensamento. Amanheci em ti.
À tarde voltei e vi que o ciúme mora no vácuo.
Quem o tem, sobrevive vagarosamente dos seus ecos.
Ter ciúme é se enganar, amor meu,
com as contas mal pagas de um outro amor que morreu.
(Lila Morena-04/11/2014)
0 comentários:
Postar um comentário