O ciúme

4 de novembro de 2014 0 comentários
 
Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal ferventa. O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa de sua feiura. Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos, e como exemplo cito a minha pobre avó, que conhecia seu ciúme como reumatismo.
 

BUARQUE, Chico. Leite Derramado. São Paulo. Cia das Letras, 2009.


Releitura

O meu ciúme não advém do  reumatismo, nem do lirismo, nem do paraquedismo com que as mentes se abrem para o bom funcionamento. O meu, tem uma linha tênue que o separa da dor, que o encoraja no dia seguinte, fazendo-o esquecer ou doer.
O ciúme que corta em mim é de navalha fina, ao vê-lo ir e voltar, pairando sobre lugar nenhum.
Ter ciúme é ter bobagem.
Ciúme é pura sacanagem do sujeito enciumado.

Ontem, à noitinha, tive ciúme da sua barba, roçando o meu calcanhar. Mas quando seus beijos me cobriram a tez,
refiz o pensamento. Amanheci em ti.

À tarde voltei  e vi que o ciúme mora no vácuo.
Quem o tem, sobrevive vagarosamente dos seus ecos.
Ter ciúme é se enganar, amor meu,
com as contas mal pagas de um outro amor que morreu.

(Lila Morena-04/11/2014)

 

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