O povo e o poder

21 de junho de 2013 1 comentários

 


Foucault (1996) aborda a imposição de regras aos sujeitos dos discursos e define o conceito de ritual como sendo algo da sociedade e, por isso, mais específico, ao observar como os papéis dos sujeitos envolvidos se definem; enquanto a doutrina, por apresentar um caráter mais restrito, promove a sujeição dos sujeitos nos discursos. Ele exemplifica como um lugar onde as formas de imposição se reúnem claramente, a própria escola. A escola é, portanto, o lugar que promove a difusão de doutrinas.
É nesse sentido que vêm a calhar as análises de Foucault sobre o poder. O poder político que implica nas relações de luta, o que conta com um certo conhecimento. Ele reconhece na história de Édipo, um homem do esquecimento, envolto pelo poder. Condenado à morte, a figura de Édipo representa a maneira como o poder político e judiciário se impõem ao sujeito. Sobre o poder pastoral, ele reconhece os moldes impostos ao sujeito em função da própria salvação. O cristianismo é exemplo da relação entre condutores e rebanho.
No texto “O sujeito e o poder”, Foucault (1995) pontua três modos de objetivação que transformam os seres humanos em sujeitos: a investigação (a ciência); as práticas divisoras (divisão entre loucos e sãos); o modo como o homem torna-se sujeito (subjetividade).
Nessa perspectiva, a noção de poder pode bem ser concebida a partir do filme O discurso do Rei. As experiências que marcam a vida do protagonista acrescentam ao drama outras reflexões como o histórico familiar, o cigarro, a doença, a relação do próprio corpo com o poder. Para liderar milhões de pessoas no curso de uma guerra, seu discurso deveria servir de declaração histórica ao povo britânico. O terapeuta, o amigo Lionel Logue (Geoffrey Rush), representa a confiança e a atitude diante do desenvolvimento da figura do rei, que depois da morte do pai, o Rei George V (Michael Gambon) e da abdicação do Rei Eduardo VIII, vê-se obrigado a assumir o poder.
Rompe-se com a concepção de sujeito enquanto indivíduo. O sujeito como função ou como uma posição que se ocupa nos discursos. As relações de poder se estabelecem. Podemos falar em biopoder, sim.
Este filme foi tão adiado por mim e, hoje, atenta à concepção de sujeito em Foucault, eu estou me encantando com o Discurso do Rei. Nada mais justo escrever sobre, tomar a figura do rei como posição-sujeito, a qual continuará existindo ainda que em outro corpo que o suporte.
O rei é uma posição-sujeito, com um corpo que, ausente, não impede que a posição de Rei continue existindo. No filme, o que está em questão vai muito além da gagueira, da dificuldade pessoal do personagem. A exterioridade social que atua sobre o seu poder, através de outros discursos, é que produz o efeito da subjetividade. A subjetividade que implica no poder, na disciplina do Rei para exercer seu poder soberano.
Ainda no capítulo 3, Fernandes ressalta a importância do poder disciplinar, enquanto fabricação do indivíduo, reconhecendo que o poder não é exercido de forma unilateral. Trata-se de um poder que recai sobre vigiados e vigilantes, como em um jogo de lutas sociais entre sujeitos que se modificaram pela história. Nesse caso, os dispositivos, que são os operadores materiais do poder, articulam-se entre si, o que também pode ser visto na religião.

Para Michel Foucault (1996), o poder não tem materialidade, não está centralizado e não é propriedade de alguém. Assim, se o poder não tem materialidade, ele não tem propriedade. Da mesma forma que não existe verdade. O que existe para Foucault é um discurso funcionando como verdade. Cada sociedade passa a ser interpretada pelo seu regime de verdade. A verdade como objeto de debate político e de confronto social está muito bem representada na situação política atual do nosso país. O movimento #vemprarua relaciona poder e verdade de uma forma clara, ao considerar a construção discursiva que leva milhares de pessoas às ruas de todo o país em clima de protesto, sendo que os sujeitos se posicionam de forma semelhante. É essa verdade que constitui o objeto pelo qual se luta e com tais procedimentos que têm a função de conjurar poderes e perigos simultaneamente.
No capítulo 4, o tema é a problemática da subjetividade em relação ao discurso e ao sujeito. Falar em subjetividade implica em falar sobre exterioridade. O nexo social é que define as posições-sujeito, o que interessa à AD na produção da subjetividade, advinda da constituição dos sujeitos e dos seus discursos. Ele retoma a ideia de enunciado do primeiro capítulo do livro, da não-linearidade do discurso e do lugar vazio que o compreende na enunciação.
Por fim, ao falar de autor, história e memória, ele tem na escrita o fator que promove a morte do autor e, ao mesmo tempo, o instrumento que lhe dá vida além do texto. O nome do autor é tomado como nome próprio e tem complexa significação. Daí sua importância nos discursos materializados.
Ainda que não contemos com a noção de poder pelo viés do saber-poder que oscila entre o científico e o não científico por Foucault, contemos, pois, com a ideia principal de que o sujeito é constituinte de objeto de estudo e que seu enunciado é ponto de partida para que ele se ocupe de outros sujeitos, o que nos permite a multiplicidade de sentidos. E se governar implica em saber e poder, a ideia do biopoder está viva nas ruas do Brasil, não pelo ensaio da copa de 2014, no fluxo da copa das confederações, mas pelo que se busca, na metáfora do gigante acordado, através desses sujeitos-função, que têm se ocupado do discurso popular das ruas e do povo na maior arquibancada de todos os tempos.

                                                                 Marília Mendes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O Discurso do Rei, 2012. Disponível em:<http://youtu.be/KwQvcI7qzFk>. Acesso em: 18 junho. 2013.
FERNANDES, C.A. Discurso e sujeito em Michel Foucault. São Paulo:Intermeios, 2012 ,







 

1 comentários:

  • Anônimo disse...

    ótimo texto. Bem coerente com a situação do país. Um grande beijo.
    Vens a Brasília? quando?
    Carlos Henrique