Foucault
(1996) aborda a imposição de regras aos sujeitos dos discursos e
define o conceito de ritual como sendo algo da sociedade e, por isso,
mais específico, ao observar como os papéis dos sujeitos envolvidos
se definem; enquanto a doutrina, por apresentar um caráter mais
restrito, promove a sujeição dos sujeitos nos discursos. Ele
exemplifica como um lugar onde as formas de imposição se reúnem
claramente, a própria escola. A escola é, portanto, o lugar que
promove a difusão de doutrinas.
É
nesse sentido que vêm a calhar as análises de Foucault sobre o
poder. O poder político que implica nas relações de luta, o que
conta com um certo conhecimento. Ele reconhece na história de Édipo,
um homem do esquecimento, envolto pelo poder. Condenado à morte, a
figura de Édipo representa a maneira como o poder político e
judiciário se impõem ao sujeito. Sobre o poder pastoral, ele
reconhece os moldes impostos ao sujeito em função da própria
salvação. O cristianismo é exemplo da relação entre condutores e
rebanho.
No
texto “O sujeito e o poder”, Foucault (1995) pontua três modos
de objetivação que transformam os seres humanos em sujeitos: a
investigação (a ciência); as práticas divisoras (divisão entre
loucos e sãos); o modo como o homem torna-se sujeito
(subjetividade).
Nessa
perspectiva, a noção de poder pode bem ser concebida a partir do
filme O discurso
do Rei. As
experiências que marcam a vida do protagonista acrescentam ao drama
outras reflexões como o histórico familiar, o cigarro, a doença, a
relação do próprio corpo com o poder. Para liderar milhões de
pessoas no curso de uma guerra, seu discurso deveria servir de
declaração histórica ao povo britânico. O terapeuta, o amigo
Lionel Logue (Geoffrey Rush), representa a confiança e a atitude
diante do desenvolvimento da figura do rei, que depois da morte do
pai, o Rei George V (Michael Gambon) e da abdicação do Rei Eduardo
VIII, vê-se obrigado a assumir o poder.
Rompe-se
com a concepção de sujeito enquanto indivíduo. O sujeito como
função ou como uma posição que se ocupa nos discursos. As
relações de poder se estabelecem. Podemos falar em biopoder, sim.
Este
filme foi tão adiado por mim e, hoje, atenta à concepção de
sujeito em Foucault, eu estou me encantando com o Discurso do Rei.
Nada mais justo escrever sobre, tomar a figura do rei como
posição-sujeito, a qual continuará existindo ainda que em outro
corpo que o suporte.
O
rei é uma posição-sujeito, com um corpo que, ausente, não impede
que a posição de Rei continue existindo. No filme, o que está em
questão vai muito além da gagueira, da dificuldade pessoal do
personagem. A exterioridade social que atua sobre o seu poder,
através de outros discursos, é que produz o efeito da
subjetividade. A subjetividade que implica no poder, na disciplina do
Rei para exercer seu poder soberano.
Ainda
no capítulo 3, Fernandes ressalta a importância do poder
disciplinar, enquanto fabricação do indivíduo, reconhecendo que o
poder não é exercido de forma unilateral. Trata-se de um poder que
recai sobre vigiados e vigilantes, como em um jogo de lutas sociais
entre sujeitos que se modificaram pela história. Nesse caso, os
dispositivos, que são os operadores materiais do poder, articulam-se
entre si, o que também pode ser visto na religião.
Para
Michel Foucault (1996), o poder não tem materialidade, não está
centralizado e não é propriedade de alguém. Assim, se o poder não
tem materialidade, ele não tem propriedade. Da mesma forma que não
existe verdade. O que existe para Foucault é um discurso funcionando
como verdade. Cada sociedade passa a ser interpretada pelo seu regime
de verdade. A verdade como objeto de debate político e de confronto
social está muito bem representada na situação política atual do
nosso país. O movimento #vemprarua relaciona poder e verdade de uma
forma clara, ao considerar a construção discursiva que leva
milhares de pessoas às ruas de todo o país em clima de protesto,
sendo que os sujeitos se posicionam de forma semelhante. É essa
verdade que constitui o objeto pelo qual se luta e com tais
procedimentos que têm a função de conjurar poderes e perigos
simultaneamente.
No
capítulo 4, o tema é a problemática da subjetividade em relação
ao discurso e ao sujeito. Falar em subjetividade implica em falar
sobre exterioridade. O nexo social é que define as posições-sujeito,
o que interessa à AD na produção da subjetividade, advinda da
constituição dos sujeitos e dos seus discursos. Ele retoma a ideia
de enunciado do primeiro capítulo do livro, da não-linearidade do
discurso e do lugar vazio que o compreende na enunciação.
Por
fim, ao falar de autor, história e memória, ele tem na escrita o
fator que promove a morte do autor e, ao mesmo tempo, o instrumento
que lhe dá vida além do texto. O nome do autor é tomado como nome
próprio e tem complexa significação. Daí sua importância nos
discursos materializados.
Ainda
que não contemos com a noção de poder pelo viés do saber-poder
que oscila entre o científico e o não científico por Foucault,
contemos, pois, com a ideia principal de que o sujeito é constituinte
de objeto de estudo e que seu enunciado é ponto de partida para que
ele se ocupe de outros sujeitos, o que nos permite a multiplicidade
de sentidos. E se governar implica em saber e poder, a ideia do
biopoder está viva nas ruas do Brasil, não pelo ensaio da copa de
2014, no fluxo da copa das confederações, mas pelo que se busca, na
metáfora do gigante acordado, através desses sujeitos-função, que
têm se ocupado do discurso popular das ruas e do povo na maior
arquibancada de todos os tempos.
Marília
Mendes
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O Discurso do Rei, 2012. Disponível em:<http://youtu.be/KwQvcI7qzFk>. Acesso em: 18 junho. 2013.
1 comentários:
ótimo texto. Bem coerente com a situação do país. Um grande beijo.
Vens a Brasília? quando?
Carlos Henrique
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